segunda-feira, 13 de agosto de 2012

STF DECIDE ORIENTAÇÃO SOBRE PREFEITO ITINERANTE


“Prefeito itinerante” e segurança jurídica

O Plenário, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, deu provimento, por maioria, a recurso extraordinário, para julgar inaplicável a alteração da jurisprudência do TSE quanto à interpretação do art. 14, § 5º, da CF, com a redação dada pela EC 16/97, às eleições de 2008 (“O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”). Na espécie, o recorrente, após exercer 2 mandatos consecutivos como prefeito do mesmo município, transferira seu domicílio eleitoral e, ao atender às regras de desincompatibilização, candidatara-se ao cargo de prefeito de municipalidade diversa no pleito de 2008. À época, a jurisprudência do TSE seria firme no sentido de que não se cogitaria de falta de condição de elegibilidade nessa hipótese, pois a candidatura dera-se em localidade diversa. Por essa razão, sua candidatura não teria sido impugnada pelo Ministério Público ou por partido político. Após transcorrido todo o período de campanha, pressuposta a regularidade da candidatura, conforme as normas então vigentes, o recorrente teria logrado vitória no pleito eleitoral. Contudo, no período de diplomação dos eleitos, o TSE modificara radicalmente sua jurisprudência e passara a considerar a hipótese como vedada pelo art. 14, § 5º, da CF. Em consequência, o Ministério Público Eleitoral e a coligação adversária impugnaram o diploma do candidato (Código Eleitoral, art. 262, I), a resultar na sua cassação. 

Prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator. Explicou que o recurso em comento cuidaria de 2 questões constitucionais distintas, não obstante inter-relacionadas no caso concreto. A primeira diria respeito à controvérsia quanto à interpretação da regra que permitiria única reeleição subsequente dos ocupantes de cargos de Chefe do Poder Executivo — na hipótese, os prefeitos — ou de quem os houvesse sucedido ou substituído no curso do mandato. Debater-se-ia, por um lado, se esse preceito constitucional: a) possibilitaria candidatura ao cargo em questão por cidadão que ocupara, por 2 mandatos consecutivos, reeleito uma vez, posição de idêntica natureza em município distinto; ou b) evidenciaria vedação absoluta à segunda reeleição para ocupação da mesma natureza, ainda que o novo sufrágio ocorresse mediante prévia alteração do domicílio eleitoral em ente da federação diverso daquele em que exercido o cargo em referência. A segunda residiria na importante relação entre mudança jurisprudencial e segurança jurídica, a qual perscrutaria os problemas da retroação e da aplicabilidade imediata dos efeitos das decisões que implicassem modificação do entendimento do órgão de cúpula da Justiça Eleitoral. Indagar-se-ia se o postulado da segurança jurídica, também em sua face de princípio da confiança, poderia constituir barreira normativa contra a retroatividade e a aplicabilidade imediata dessas decisões que resultassem câmbio jurisprudencial em matéria eleitoral, sobretudo no curso do período de eleição. 

Rememorou que estaria pendente de julgamento pela Corte o mérito da ADI 1805/DF, cujo objeto teria identidade com o do extraordinário em tela. Aduziu que, desde o indeferimento da medida cautelar dessa ação direta, transcorreram 14 anos com plena vigência do art. 14, § 5, da CF. Salientou que a apreciação da ação direta não seria óbice ao conhecimento do extraordinário em exame, pois se analisaria neste o texto constitucional em sua aplicação concreta, pressuposta a plena vigência normativa dele. Nesse aspecto, lembrou que foram realizadas 4 eleições gerais e 3 municipais sob a égide da norma introduzida pela EC 16/97, de modo que pareceria impensável que decisão desta Corte interferisse nesse estado já conformado e consolidado. Portanto, as eleições municipais de 2008 requereriam interpretação adequada do art. 14, § 5º, da CF, independentemente do julgamento do mérito da ADI 1805/DF. Prelecionou que, com a nova redação atribuída pela EC 16/97, a regra em discussão passaria a deter natureza de norma de elegibilidade (ou de elegibilidade restrita) e que, ao criar o instituto da reeleição, permitiria apenas único novo sufrágio para o cargo de Chefe do Poder Executivo de igual natureza. Asseverou que esse dispositivo teria contemplado não somente o postulado da continuidade administrativa, mas também o princípio republicano, que impediria a perpetuação de determinada pessoa ou grupo no poder. Outrossim, ponderou que a clareza do preceito quanto à unicidade da reeleição não afastaria diversas questões relativas à sua interpretação e incidência aos variados casos concretos. 

Aludiu que, antes do advento do instituto da reeleição, a matéria já se colocaria ante a regra da inelegibilidade absoluta (irreelegibilidade) de quem já teria exercido cargos de Chefe do Poder Executivo. No ponto, mencionou jurisprudência da Corte, segundo a qual a irreelegibilidade prevista no art. 151, § 1º, a, da Constituição de 1967/69 compreender-se-ia como proibitiva da reeleição para o mesmo cargo. Historiou que o TSE teria mantido por muitos anos entendimento pacífico no sentido de que o instituto da reeleição diria respeito à candidatura ao mesmo cargo e no mesmo território, de sorte que não haveria vedação a que o prefeito reeleito em determinado município candidatasse-se a cargo de idêntica natureza em outra municipalidade, vizinha ou não, em período subsequente, desde que transferisse regularmente seu domicílio eleitoral e se afastasse do cargo 6 meses antes do pleito. Apontou que a exceção a essa regra ocorreria apenas nas hipóteses de município desmembrado, incorporado ou que resultasse de fusão em relação à municipalidade anterior. Observou que, todavia, em 17.12.2008, o TSE teria alterado sua antiga jurisprudência, ao consignar que a mudança de domicílio eleitoral para município diverso, por quem já exercera 2 mandatos consecutivos como prefeito de outra localidade, configuraria fraude à regra constitucional que proibiria segunda reeleição (CF, art. 14, § 5º). Essa prática, ato aparentemente lícito, consubstanciaria desvio de finalidade, visando à monopolização do poder local. Nessa senda, avaliou que o argumento baseado nas noções de fraude à regra constitucional do art. 14, § 5º, abuso do direito de transferir o domicílio eleitoral, desvio da finalidade do direito à fixação do domicílio eleitoral seria plenamente válido quando utilizado em situações cujas circunstâncias fáticas detivessem as seguintes características: a) os municípios possuíssem territórios limítrofes ou muito próximos, a pressupor existência de única microrregião eleitoral, formada por eleitorado com características comuns e igualmente influenciado pelos mesmos grupos políticos atuantes nessa região; e b) as municipalidades tivessem origem comum, resultante de desmembramento, incorporação ou fusão (CF, art. 18, § 4º). 

Articulou que, nessas hipóteses, criar-se-ia presunção jurídica (juris tantum) no sentido de que a transferência do domicílio eleitoral de município para outro visaria alcançar finalidade incompatível com o art. 14, § 5º, da CF, isto é, a perpetuação de certa pessoa no poder local. Não obstante, registrou que o argumento não seria generalizável, pois inválido para outras várias situações, como aquelas em que os municípios: a) pertencessem ao mesmo estado-membro, mas fossem territorialmente distantes o bastante para se pressupor que possuiriam bases eleitorais e grupos políticos completamente distintos; e b) estivessem situados em diferentes estados-membros e territorialmente distantes. Sublinhou que essas circunstâncias seriam plenamente possíveis em razão do conceito amplo de domicílio eleitoral adotado pela justiça especializada, que permitiria que o cidadão pudesse legitimamente manter, ao longo de sua vida política, diferentes domicílios conforme mantivesse vínculos econômicos ou afetivos em diversas localidades. Realçou que estas situações não seriam fruto de qualquer estratégia política de grupos ou partidos, mas simples resultado da contingência da vida privada individual. Entretanto, atentou para o fato de que se deveriam tomar como parâmetro hipóteses de transferência e de reeleição entre quaisquer municípios, tendo em conta que a questão constitucional abarcaria gama mais variada de fatos que não se circunscreveriam ao sucessivo sufrágio em municipalidades vizinhas. Destarte, considerou que a solução para a temática basear-se-ia na interpretação do art. 14, § 5º, da CF, a conter o significado do instituto da reeleição. 

Explanou que houvera mudança substancial a partir da alteração do art. 14, § 5º, da CF, dado que, na sua redação original, perfaria causa de inelegibilidade absoluta e assumiria caráter proibitivo, na medida em que vedaria a reeleição para os mesmos cargos, no período subsequente, dos ocupantes das funções de Chefe do Poder Executivo. Com a EC 16/97, o dispositivo teria a natureza de condição de elegibilidade e caráter de permissão, ainda que possibilitasse a reeleição por apenas 1 vez. Logo, deduziu que a nova condição de elegibilidade fundamentar-se-ia no postulado da continuidade administrativa, que condicionaria sua aplicação teleológica e constituiria o substrato do art. 14, § 5º, da CF. Além disso, preceituou que o princípio republicano também seria base do instituto da reeleição, a impedir a perpetuação de pessoa ou grupo no poder. Reputou sensato entender que esse princípio obstaria a terceira eleição não apenas no mesmo município, mas em relação a qualquer outra municipalidade da federação. Se assim não fosse, tornar-se-ia possível a figura do denominado “prefeito itinerante” ou “prefeito profissional”, claramente incompatível com esse princípio republicano, que também traduziria postulado de temporariedade/alternância do exercício do poder. Inferiu que a reeleição, como condição de elegibilidade, somente estaria presente nas hipóteses em que esses princípios fossem igualmente contemplados e concretizados. Nestes termos, placitou interpretação de que somente seria possível eleger-se para o cargo de prefeito municipal por 2 vezes consecutivas. Após isso, só se permitiria, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a outro cargo, ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de governador de estado ou de Presidente da República. 

Destacou que seria crucial avaliar se o TSE, ao mudar sua jurisprudência, respeitara o princípio da segurança jurídica. Isso porque o caso em comento seria peculiar. Ressaiu que, em situações nas quais alterada a concepção longamente adotada, seria sensato modular os efeitos da decisão, em face da segurança jurídica. Enumerou exemplos em que o Tribunal teria ressalvado atos praticados e decisões já proferidas anteriormente à mudança de orientação (Inq 687/SP, DJU de 9.11.2001; CC 7204/MG, DJU de 9.12.2005; HC 82959/SP, DJU de 1º.9.2006). No ponto, realçou que não se trataria de aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99, mas de substancial alteração de jurisprudência, decorrente de nova interpretação constitucional, o que permitiria ao Supremo, tendo em vista razões de segurança jurídica, atribuir efeitos prospectivos às suas decisões. Enfatizou que também o TSE, quando modificasse sua jurisprudência, especialmente no decorrer do período eleitoral, deveria realizar a modulação dos efeitos de seus julgados, em razão da necessária preservação da segurança jurídica, que lastrearia a realização das eleições, especialmente a confiança dos cidadãos candidatos e eleitores. 

Mencionou que os temas da evolução jurisprudencial e da possível mutação constitucional seriam muito ricos e repercutiriam no plano material, bem como no processual e, precipuamente, no campo do processo constitucional. Quanto a eles, aclarou que interpretar ato normativo nada mais seria do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública. Encampou doutrina segundo a qual, conforme a alteração da situação normativa, existiriam fatos que poderiam provocar mudança de interpretação, tais como modificações na estrutura da ordem jurídica global, nítida tendência da legislação mais recente, novo entendimento da ratio legis ou dos critérios teleológico-objetivos, bem assim necessidade de adequação do direito pré-constitucional aos princípios constitucionais. Consoante esta teoria, os tribunais poderiam abandonar sua orientação anterior porque teriam se convencido de que seria incorreta em face do fator temporal, que teria se lastreado em falsas suposições ou em conclusões não suficientemente seguras. Trouxe à baila a afirmação de que o preciso momento em que essa ilação deixara de ser correta seria impossível determinar, porque as alterações subjacentes efetuar-se-iam na maior parte das vezes de modo contínuo, e não de repente. Dessa forma, colacionou a tese de que se deveria escolher a interpretação, dentre aquelas possíveis, que fosse agora a única conforme à Constituição. Expôs assunto segundo o qual se propiciaria releitura do fenômeno da chamada mutação constitucional, ao asseverar que as situações da vida seriam constitutivas do significado das regras de direito, na medida em que somente no momento de sua aplicação aos casos ocorrentes que se revelariam o sentido e o alcance dos enunciados normativos. 

Nestes termos, enfatizou que, em verdade, a norma jurídica não consubstanciaria o pressuposto, mas o resultado do processo interpretativo, isto é, a norma seria a sua interpretação. Nesse diapasão, não existiria norma jurídica, senão aquela interpretada, de sorte que interpretar ato normativo seria colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública. Introduziu o conceito de pós-compreensão, que seria o conjunto de fatores temporalmente condicionados com base nos quais se compreenderia “supervenientemente” certa norma. Para o relator, todo esse esforço hermenêutico resultaria na pós-compreensão, a qual seria a pré-compreensão do futuro, ou seja, o elemento dialético correspondente da ideia de pré-compreensão. Essa concepção permitiria atestar que toda lei interpretada — não apenas as denominadas leis temporárias — caracterizaria dispositivo com duração temporal limitada, de modo que a atividade hermenêutica nada mais seria que procedimento historicamente situado. Em outras palavras, o texto, confrontado com novas experiências, transformar-se-ia necessariamente em outro texto, o que originaria a ideia desse contínuo interpretar: a pré-compreensão levaria à pós-compreensão. Discorreu, pois, que a interpretação constitucional aberta dispensaria o conceito de mutação constitucional enquanto categoria autônoma, porquanto se estaria sempre em mutação constitucional. Ficaria, então, evidente que o Tribunal não poderia fingir que sempre pensara de certa forma ao modificar seu entendimento. Expressou que, diante disto, haveria a necessidade de, nesses casos, fazer-se o ajuste do resultado, adotando-se técnica de decisão que, tanto quanto possível, traduzisse mudança de valoração. 

Exprimiu que, no plano constitucional, essas alterações na concepção jurídica poderiam produzir mutação normativa ou evolução na interpretação, de modo a permitir que viesse a ser reconhecida a inconstitucionalidade de situações anteriormente reputadas legítimas. Anotou que a orientação doutrinária tradicional, marcada por alternativa rigorosa entre atos legítimos, ou ilegítimos, encontraria dificuldade para identificar a consolidação de “processo de inconstitucionalização”, uma vez que preferiria admitir que, conquanto não identificada, a ilegitimidade sempre existira. Certificou que, todavia, não se operaria dessa forma, pois os diversos entendimentos de mundo conviveriam, sem que, muitas vezes, o “novo” tivesse condições de superar o “velho”. A respeito, evidenciou que as mudanças radicais na interpretação da Constituição deveriam vir acompanhadas da cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em conta o postulado da segurança jurídica. Ressurtiu que não só o Supremo, mas também o TSE deveriam adotar essas cautelas por ocasião das denominadas “viragens jurisprudenciais” na interpretação dos preceitos constitucionais relacionados aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Versou que, em virtude do caráter normativo dos atos judiciais emanados do TSE, os quais regeriam todo o processo de sufrágio, modificações na sua jurisprudência teriam efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos — eleitores e candidatos — e partidos políticos. Nesse âmbito, portanto, a segurança jurídica assumiria a sua face de princípio da confiança a fim de proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que, de alguma forma, participassem dos prélios eleitorais.

Desta feita, sobrelevou que a importância fundamental do princípio da segurança jurídica para regular o 
transcurso dos processos eleitorais plasmar-se-ia no postulado da anterioridade eleitoral, positivado no art. 16 da CF (“A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”). Então, as decisões do TSE que implicassem alteração de jurisprudência, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, não incidiriam de imediato no caso concreto e somente possuiriam eficácia sobre outras situações no pleito eleitoral posterior. Finalizou que a decisão do TSE em tela, apesar de ter asseverado corretamente que seria inelegível para o cargo de prefeito o cidadão que exercera por 2 mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em município diverso, não poderia retroagir a fim de alcançar diploma regularmente concedido a vencedor das eleições de 2008 para prefeito de outra municipalidade. Aquilatou que se deveria assegurar a conclusão do mandato a ele. Por fim, assentou, sob o regime da repercussão geral, que: a) o art. 14, § 5º, da CF, interpretar-se-ia no sentido de que a proibição da segunda reeleição seria absoluta e tornaria inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já cumprira 2 mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; e b) as decisões do TSE que acarretassem mudança de jurisprudência no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento não se aplicariam imediatamente ao caso concreto e somente teriam eficácia sobre outras situações em pleito eleitoral posterior. 

Vencidos, quanto à modulação, os Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, Presidente, que desproviam o recurso. O Min. Joaquim Barbosa aduzia não ser possível conceder modulação por ter o TSE julgado procedente pedido de impugnação do diploma do candidato, ainda no período eleitoral, antes da sua posse. A Min. Cármen Lúcia ressaltou que o TSE, em inúmeros julgados, teria vedado a candidatura de prefeito reeleito a outra prefeitura desde 2008. Portanto, inexistiria afronta à segurança jurídica, pois surpresa haveria para os prefeitos que teriam sido afastados e não tiveram recurso submetido ao STF. O Min. Ricardo Lewandowski comungava da tese central defendida pelo relator, no sentido da ocorrência de fraude à Constituição, embora aparentemente houvesse licitude formal no ato de mudança de domicílio. Afirmava que, na verdade, ter-se-ia burla à Constituição, porque se pretenderia, mediante expedientes pretensamente lícitos, violar o núcleo do princípio republicano, ou seja, a proibição de reeleições sucessivas. Entendia não reconhecido direito subjetivo ao exercício de mandato eletivo eivado por causa de inelegibilidade constitucional, tampouco direito adquirido contra a Constituição. Afastava a incidência do art. 16 da CF, haja vista não se tratar de alteração de normas de natureza procedimental. Reconhecia, em que pese a mudança de jurisprudência, que o registro de candidatura se fizera em flagrante transgressão à causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 5º, da CF, que já se encontraria em vigor. O Presidente ponderava que a técnica da aplicabilidade prospectiva das decisões judiciais operaria no interior de uma mesma Corte. Porém, não se deveria aplicá-la em sede de revisão. 

Por sua vez, os Ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio davam provimento ao recurso, entretanto, em maior extensão. Consideravam que deveria ser mantida a antiga jurisprudência do TSE, segundo a qual não haveria impedimento a que prefeito reeleito em determinado município pudesse se candidatar a cargo executivo em outra cidade. O Min. Cezar Peluso, ao sopesar qual seria a ratio juris ou a ratio constitutiones do art. 14, § 5º, da CF, ressalvava haver espectro de amplas possibilidades, porém, não existiria vedação constitucional, de caráter geral, a proibir eleições consecutivas para vários cargos. Observava ser possível a reeleição em relação a vários cargos da Administração, sucessiva e indefinidamente. Não obstante, estar-se-ia a vedá-la para o de prefeito. Aduzia que a única explicação razoável seria a inconveniência de sucessão indefinida em cargos do Executivo, a evitar-se abuso de poder. Consignava não haver reeleição para outro cargo e, quando a Constituição mencionasse reeleição e mandato, pressupor-se-ia mandato relativo ao mesmo cargo. Concluía ausente regra constitucional proibitiva da reeleição para vários cargos. O Min. Marco Aurélio acrescia não se poder incluir, no preceito constitucional, cláusula de inelegibilidade que dele não constasse. Indagava, de igual forma, como conciliar a autorização para que prefeito — o qual renunciara ao cargo, mesmo que no segundo mandato — pudesse se candidatar a cargos de Presidente da República, de governador, de deputados federal e estadual e de vereador, mas que não pudesse fazê-lo no tocante à chefia de Poder Executivo em município diverso. Destacava que as hipóteses de inelegibilidade estariam previstas de forma exaustiva e não exemplificativa e, por isso, vedado ao intérprete restringir o que não contemplado em preceito constitucional. Lembrava que a interpretação sistemática dos diversos parágrafos do art. 14 da CF seria conducente a estabelecer que, caso um político se apresentasse para concorrer a cargo de prefeito em outro município, não estaria impedido de fazê-lo. Por fim, afirmava que norma geradora de inelegibilidade deveria ser expressa, aprovada pelos integrantes do Congresso Nacional. 

Processo: RE 637485/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2012. (RE-637485)
FONTE: INFORMATIVO STF Nº 673, acesso em 13.08.2012

RENÚNCIA A ALIMENTOS. PAGAMENTOS FEITOS POR MERA LIBERALIDADE. MANUTENÇÃO INDEVIDA.


DECISÃO
Mulher que renunciou a alimentos não consegue manter pensões pagas por liberalidade do ex-companheiro

Não há direito à pensão alimentícia por parte de quem expressamente renunciou a ela em acordo de separação caracterizado pelo equilíbrio e pela razoabilidade da divisão patrimonial. O entendimento majoritário é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a qual essa circunstância impede o direito tanto na dissolução do casamento quanto no caso de união estável. 

Uma mulher que renunciou formalmente aos alimentos do ex-companheiro teve na Justiça paulista rejeitado o direito de produzir provas do recebimento de valores por dez meses após a separação. Ela reivindicava a continuidade dos pagamentos porque, a seu ver, ao assumir o encargo, mesmo diante da renúncia, ele desistiu da liberação acordada. 

O casal, que viveu junto por aproximadamente oito anos, desfez a união estável por escritura pública, em que foi dividido o patrimônio e registrada a renúncia expressa da mulher a alimentos. Mesmo assim, o ex-companheiro teria pago R$ 50 mil por dez meses, ditos como pensão, até o dia em que interrompeu o pagamento. A mulher entrou com ação para que a pensão voltasse a ser paga, apesar da renúncia. Sustentou que seu ex-companheiro havia reconhecido a obrigação de ajudá-la. 

Contudo, o processo foi extinto, sem resolução de mérito, antes da fase de produção de provas. O juiz entendeu que, em razão de a mulher ter dispensado os alimentos, a interrupção do pagamento pelo ex-companheiro não lhe traria nenhum prejuízo adicional. 

Inconformada, ela recorreu, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, ao entendimento de que, no momento da separação, a mulher havia admitido que teria condições para o próprio sustento. Para o tribunal local, a liberalidade do homem ao fornecer pensão, mesmo sem necessitar, não o obriga a fazê-lo para sempre. 

Controvérsia 

No STJ, a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi – cuja posição ficou vencida –, destacou que o possível acordo verbal que teria resultado nos pagamentos não é o principal no caso. A afirmação foi feita pela mulher, mas negada pelo ex-companheiro, gerando controvérsia. As alegações não foram comprovadas nas outras instâncias, já que a sentença extinguiu o processo sem a resolução do mérito. 

A ministra afirmou que, em princípio, a renúncia impossibilita o pleito de novos alimentos. Quando a mulher renunciou ao recebimento, deixou de ter o direito de discutir a respeito da obtenção de novas pensões. “Mas não impossibilita que a parte a quem a renúncia beneficie os preste por liberalidade”, disse. O ex-companheiro podia conceder, por vontade própria, o benefício. Fosse durante alguns momentos de necessidade, fosse para sempre. “Tudo depende de prova”, destacou. 

Por outro lado, no entendimento da ministra, uma pessoa que perdeu o direito ao benefício, por algum motivo, pode recuperá-lo a partir de novo compromisso das partes, seja ele escrito, verbal ou pelo “comportamento reiterado das partes, que pela sua repetição venha a indicar uma intenção duradoura de instaurar uma nova relação jurídica”. 

Para a ministra Andrighi, o compromisso assumido voluntariamente pelo ex-companheiro, se comprovado, teria sido gerado por “boa-fé objetiva pós-contratual”. Ou seja, após a separação, a manutenção do pagamento mensal de R$ 50 mil, mesmo com a renúncia da mulher, seria, pelo menos em princípio, uma forma de amparar os interesses de ambos os parceiros. 

Ela entende ser possível chegar a essa conclusão a partir da “existência do comportamento reiterado, dos motivos desse comportamento, do seu conteúdo, da sua duração, das promessas a ele inerentes, enfim, de todas as circunstâncias fáticas dos pagamentos alegadamente feitos” pelo ex-companheiro. Segundo a ministra, é impossível afirmar o ocorrido sem que a mulher tenha o direito de comprovar suas alegações. Razão pela qual votou no sentido de permitir à mulher produzir a prova necessária. 

Entendimento vencedor 

O entendimento que prevaleceu, contudo, foi o do ministro Massami Uyeda, que divergiu da relatora. Ele, junto com os outros três ministros que integram a Terceira Turma, negou provimento ao recurso. 

Ao acompanhar a divergência, o ministro Sidnei Beneti destacou que, afora a força jurídica da renúncia, feita por escritura pública, os fatos demonstram que a ex-companheira teve motivos suficientes para renunciar, pelo que recebeu na divisão patrimonial. E esses fatos – a renúncia e a razoabilidade do patrimônio recebido –, a seu ver, tornavam dispensável o prosseguimento do processo, pois não poderiam vir a ser contestados. Qualquer fato subjacente a esses levaria ao fracasso do recurso, diante da incidência da súmula 7 do STJ, segundo a qual não é permitida a reanálise de fatos e provas. 

Para a maioria dos ministros, também não houve ofensa aos dispositivos apontados como violados a permitir a análise do recurso pelo STJ. 

Segundo o entendimento divergente, em caso de renúncia a alimentos futuros, por escritura pública, que ponha fim a união estável, a orientação a ser seguida é a de extinção do processo sem julgamento do mérito. 

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

FONTE: www.stj.jus.br, acesso em 13.08.2012